Friday, July 15, 2005

Miopia Vermelha

Assisti Olga. Teoria marxista. O vermelho comunista. Rebeldia. À vontade da luta. Pelo ideal. Pelo estado. Pelo blá blá blá da ditadura comunista. Do sistema já falido. O filme em si, não me tocou.

A apelação para o melodrama, o tom de discurso radical, uma história sobre o velho comunismo vermelho, da coluna Prestes, a revolução que aqui nunca aconteceu.

Os problemas que ainda estão aqui, nada disso, me chamou a atenção. Ver a dureza nazista, apoiada por Vargas, que era também um ditador, que, pelo fordismo, mudou de lado. Cenas da dor do olhar da criança amamentada que chora aos prantos o colo da mãe. Nada disso é novidade.

A realidade de hoje, mundo muito mais veloz e violento, de guerras ao vivo e on-line. Das tragédias do cotidiano. Isso não choca mais.

Porem uma cena, me chamou a atenção. Pequena sutileza de um olhar.

Nessa uma cena, que achei um tanto piegas, com a luz e penumbra, trancados na cabine aristocrata de um navio, os personagens se dissolvem, sob a luz dura e prateada. Falam de amor e paixão. E menosprezam o sentimento, fogem dele com medo do amanhã.

De um lado o homem, sem nunca ter se dado à chance de amar, de outro a mulher, que por sua vez, também se nega a amar. Ideais são mais importantes que a própria felicidade. Mas o mais inquietante é a renúncia de um para o outro mesmo quando um, este, disposto a deixar tudo para seguir com o grande amor, mas isso, é então negado. Negado por ambas as partes, uma que não aceita a responsabilidade dessa atitude e do outro que não luta e abre mão da sua própria felicidade, justificando amor ao outro. Nesse filme é a mulher, que nega. Ah! Sempre a mulher, centro das atenções masculinas, que não enfrenta o medo, mas enfrenta a dor do parto, que talvez seja menor que a dor da angústia dessa desistência. Mas poderia ser o homem, tanto faz.

Deixando de lado o movimento comunista ou qualquer ou discurso político, essa é uma cena que vivemos a todo momento.

Sempre o medo. Medo de poder sentir o sentimento pleno e sua liberdade. Medo de poder se entregar. Medo de deixar o outro tomar conta das hemoglobinas e transformar o oxigênio das veias. Medo de poder abandonar os dogmas antigos por um amor verdadeiro. Medo talvez, de se sentir frágil. Medo de poder ser forte a agüentar o amor do outro. Medo de assumir que o outro te ama. Medo de perder esse amor. Mas o verdadeiro amor é a liberdade. E a verdadeira coragem vem do medo.

Vejo assim:

Ninguém acredita que é possível modificar o futuro, podendo se entregar à paixão, pois temos que pensar, maldito pensar, raciocínio lógico intransigente, que nos roubou o mais belo sentimento, o simples sentir. Agir com o instinto, passa a ser piegas e banal, e nega-se então o que temos dentro de nos mesmos, o mais puro sentimento e sua maior realidade.

Acreditamos, que por valores inseridos dentro de nós, temos que ter a vida ajustada para poder, ai sim, amar. Ter uma profissão, dinheiro, estabilidade, são pré-requisitos para o amor.

Coisa mais estúpida.

Será que o inverso não pode ser verdadeiro? Será que um homem não pode fazer a total diferença pra uma mulher e a mulher não fará a diferença por esse homem? Será que a mudança da vida não pode vir da conexão perfeita da energia humana? Não será substancial a vida a troca de amor em sua plenitude?

Teria Prestes morrido em sua cela e Olga em uma câmera de gás, se eles tivessem seguido o instinto conector entre eles, e não terem seguido a razão pelo ideal? Negaram-se a serem felizes juntos. Negaram-se a amar plenamente. Negaram-se à abandonar suas ideologias, seus pré-conceitos. Negaram-se a se ver. Morreram.

Vejo inúmeras pessoas negando seus corações por suas convicções de verdade. Por achar que a felicidade é impossível. Que o amor é algo hipotético. Por medo das mudanças radicais. Por medo de perder. Por medo de ceder. Por se acharem fracos. Por querer estar “estável” para sentir-se livre para amar. Por medo de poder assumir o outro como o complemento que estava faltando.

Esquecem-se no entanto, que tudo pode mudar. Que um amor pode ser revelador. Pode ser impulsionador. Pode ser energia pura. Pode transformar o mais feio no que há de mais belo. Pode ter força para fazer o que antes era meramente impossível. O amor quebra as barreiras do limite e nos leva ao desconhecido.

Que o vermelho agora não é mais uma bandeira, é um sentimento forte. É o sangue que corre apaixonado pela vida dentro do corpo. Borbulha. É a impulsão de um para o outro. É percorrer junto a grande viagem chamada felicidade, e poder compartilhar com quem se ama. Sem medo do que esta por vir, e também pouco importa. Mas a certeza de poder viver a vida intensamente, com toda a força e magia nela inerente, e estar pleno durante todo esse percurso e não somente se sentir pleno, perante a morte, e pensar como poderia ter sido feliz.

Por Fernando Katayama 30 de Agosto de 2004

1 comment:

Anonymous said...

Oie..
Quando li, seu novo texto "Mulher boa", me perguntei...será que foi proposital uma certa intertextualidade entre um parágrafo de uma crônica, com o assunto de outra?
"Será que o inverso não pode ser verdadeiro? Será que um homem não pode fazer a total diferença pra uma mulher e a mulher não fará a diferença por esse homem? Será que a mudança da vida não pode vir da conexão perfeita da energia humana? Não será substancial a vida a troca de amor em sua plenitude?"

Ou o último parágrafo de "mulher boa" será uma resposta a "miopia Vermelha"?
Como Noel Rosa em "Pra que mentir" e Caetano em "Dom de iludir".

Bom...viagens a parte...

Particularmente, gosto muito deste: "Miopia Vermelha".

Bjs.

Aline Gomes