Era 1985 e eu estava em um ônibus escolar, indo fazer um estudo fora da escola. Era chamado “estudo do meio”, onde aquela criançada toda, ia visitar alguma coisa, em algum lugar e aprender coisas. O mais divertido do passeio era poder sair da escola, e ir fazer coisas fora do cerco. A viagem em si, ou melhor, o translado, de ponto A a ponto B, era o mais bacana. Além das paquerinhas da turma do fundo, a qual eu estava engajado, cantávamos as músicas que eram os hits da época. Na verdade não entendíamos muito, o que realmente o que dizia. Era aquela coisa de criança, ingênua, preocupado com a prova de matemática e com a mocinha do lado, e não sabíamos que muitas delas tinham algum mote.
Eu e minha turma, acompanhamos de perto a transição do período militar à democracia. Vi a votação de Trancredo Neves pela tv, mesmo que, sendo uma eleição indireta. Vi ele morrer. Foi dado como herói, mas depois vim a descobrir as histórias do Café com Leite. Vi também o movimento Diretas Já, com Ulysses Guimarães, FHC e Lula de mãos dadas no palanque. Vi a Democracia Corinthiana jogar e um gol de calcanhar do Dr. Sócrates contra o meu time do coração. Votei aos 16, na maior ingenuidade, sem saber de nada. Votei mais umas duas vezes, mas muito mais consciente do que fazia. Passaram-se uns anos e eu então, comecei a entender mais sobre democracia. Sobre o exercício da democracia e o que isso significa. Então, resolvi parar de votar e há alguns anos atrás comecei a minha campanha: Não Vote - contra a obrigatoriedade do voto.
E hoje, nessa eleição, entro mais à finco em minha campanha.
Estou mal impressionado com a falta de seriedade da política nacional e com a falta de valor que é dada a democracia. Não adentrarei ao espanto que tenho, ao ver o povo brasileiro, melhor economicamente, é verdade, mas olhando para a perspectiva socio-cultural, o abismo é maior do que o abismo econômico, da época da hiper-inflação de 1985. A imaturidade que eu tinha aos 16 anos, parece permanecer na cultura política nacional.
Ando pelas ruas e o que parece que eleição é final de copa do mundo ou dias de carnaval. Bandeiras, flâmulas, cartazes fazem a festa dos cabos eleitorais, que não entendem nada de representatividade, comprometimento e valores, e os candidatos também não. Os candidatos são, em sua grande maioria, despreparados à gestão pública. São pessoa que talvez até tenham boa vontade, mas de boa vontade o inferno tá cheio. Tem(1) o Serginho do Lanche e a Sueli do Bar, que vão providenciar a festa. O Roberto Mussum, vai fazer a piada, cacildis! O Enfermeiro Rogério vai levar o Engov. Tem até o Chupim, que deve ser o mais honesto de todos. E assim vai, dentre os 740 candidatos da minha cidade. É de dar medo. Precisamos de gestores públicos não advogadinhos de porta de cadeia, donos de bares ou ex-jogador de futebol e a garota da última Playboy.
O sistema de eleitoral é equivocado e míope. Confunde a democracia representativa com baderna. Políticos se escondem através de apelidos hilários e coligações absurdas. Não a seriedade. Não há comprometimento. E parece que todo mundo aqui quer mamar nas tetas do governo, e o único motivador dessa massa, é de fazer parte desse sistema deformado.
Ao meu ver, não deveríamos ser obrigado a ir lá exercer nosso direito ao voto. Leia de novo, direito ao voto. Se é direito, não pode ser uma obrigação. Sendo obrigado, não é uma atitude democrática. Democracia é baseada em direitos e deveres. Devo eu, cidadão, ser responsável e ir exercer meu direito, se assim o entender. Não ser obrigado, a exercer meu direito, que ai é uma obrigação, assim como para nós homens, ir nos alistar no Exército, e rezar para o excesso de contingente. Na democracia representativa, devemos ter o direito de voto e escolher quem nos vai representar. Porém, podemos também escolher se queremos ou não exercer ou abster. Vejam vocês que os nobres deputados, senadores, vereadores, têm esse direito democrático de abster-se do voto. Nós, o povo que ele representa, não. É uma incoerência absurda. Eu, sou obrigado a votar. O representante, não.
Indo um pouco mais além, acredito que, a mudança para voto facultativo, implicará na mudança do discurso, do político e do cidadão. O político terá que não só me convencer que é importante eu votar, e exercer meu direito de cidadão, mas que é importante a votar nele. Para me tirar de casa, será muito mais difícil. Ele terá que ter muito mais comprometimento para com o cidadão. Ao invés de 740 candidatos, deveríamos ter 30, no máximo, para a cidade toda. Afinal para se candidatar, é como uma corrida de 100 metros rasos nas Olimpíadas. O corredor passa por um milhão de seletivas para ver se é possível entrar para o time. Depois tem os milhões de provas seletivas, quartas de final, semi até finalmente chegar, às finais.
Aqui está tudo errado, e ser político não é representar o povo, mas sim representar-se ou à interesses de terceiros.
Cidadão, cumpra seu dever e NÃO VOTE. Pague a multa, faça churrasquinho na lage, vá à praia. NÃO VOTE. Mas se for votar, faça com consciência. Não faça por “protesto” ou “no menos pior” ou “contra o outro”. Faça com a convicção do seu coração.
E hoje, finalmente entendo o Ultraje à rigor: “ a gente não sabemos escolher presitende / Inútel” (3).
Notas* :
1 - os nomes dos vereadores são verídicos: fonte:
http://divulgacand2012.tse.jus.br/divulgacand2012/abrirTelaPesquisaCandidatosPorUF.action?siglaUFSelecionada=SP
procure por Campinas, e leia-os. Você deverá encontrar todos, com suas legendas e números.
2 - conheça um pouco de como funciona a Câmara do Deputados, por exemplo:
http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/processolegislativo/fluxo/plTramitacao/plPlenario/conteudoFluxo/08.html
3 - o erro gramatical é proposital
Música: Inútil - Ultraje à rigor - Vamos invadir sua praia - 1985
Por Fernando Flitz Katayama, Campinas Brasil Setembro 2012
Aqui a música desse artigo
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