Cheiro era de desinfetante com anestésico. A luz era do tipo fluorescente. Deixava tudo com um tom meio esverdeado. Haviam algumas pessoas ali. Dava-se para perceber que, algumas delas estavam mais nervosas, apreensivas que outras. Andavam de lá pra cá, sem saber se sentavam ou se continuavam em sua caminhada circulatória, praticamente infinita.
Coração, já não se sabia, se pulsava de cansado ou de aflição.
Todos ao redor estavam ansiosos. E aquele cheiro ainda estava no ar. Não havia fumaça, afinal é proibido fumar, mas alguns quase não agüentavam, e unhas iam embora. Medo, angustia, ansiedade. Um misto de tudo estava naquele lugar. Luz fria. Cheiro forte e cadeiras pouco receptivas.
Em um momento esplendido tudo mudou! A luz já não importava mais, a cadeira e o cheiro, aliás, que cheiro? Tudo já fazia parte de um passado longínquo, mesmo sendo há instantes atrás.
Como em uma apresentação no mais famoso ballet do mundo, vieram, um por um para o colo de seus tão desajeitados e ansiosos pais. Sim, haviam nascido ali, naquele exato momento, maravilhosos bebês. Um de cada cor, de cada credo, todos com carinhas de repolhos do final da caixa, para todos ali, eram as mais lindas coisas do mundo.
Todos vieram nus.
Guardem na memória está imagem, esta cena.
Outro dia lia um jornal aqui cidade, talvez o maior, não sei. Uma reportagem me chamara a atenção. Falava sobre uma famosa universidade. Uma das mais conceituadas, vistosas, importantes e concorrida do país. Era uma matéria sobre os pontos que são acrescidos à prova do vestibular dependendo da sua cor ou escola que freqüentou, ou quem sabe ambas. Me espantou.
Nesta semana, outro jornal, de circulação nacional e de grande prestígio, mandou matérias com o conteúdo relativamente parecido, falando sobre a “cota negra”, que as mais diversas universidades são obrigadas a ter. Uma outra grande, se não a maior delas e mais concorrida, havia tirado a vaga de um aluno que obtivera os pontos necessários, e colocou um outro, justificando o ato, pela lei da cota. Mais uma vez me espantou.
Fiquei aqui pensando nisso. A justificativa para isso é muito simples:
É preciso dar chance às classes menos favorecidas.
Sinto um cheiro diferente do primeiro, que era de desinfetante com anestésico. Pura demagogia no ar.
Oras, justificar pela cor que são desfavorecidos é injusto e preconceituoso.
Sim, preconceituoso. Me desculpe a Sociedade dos Amigos dos Pretinhos Desamparados, mas se achar menor por ser preto, desculpe-me é assumir sua própria baixo auto-estima. É preconceito se achar menos favorecido, ou desfavorecido pela sua cor. Se fosse assim, Adolf Hitler estava certo, e todos nos voltaríamos às câmeras de gás, inclusive eu, que sou todinho misturado.
Nosso país é pardo, istó é, a maioria é misturada, seja com pretos, amarelos, vermelhos, verdes, brancos, marrons, anil, fúscia (acho que é assim que escreve, essa cor que só mulher sabe qual é), sei lá... E pouco importa de que cor somos!
Acho até engraçado quando um negro é chamado de preto e fica bravo! Imagine só, chamá-lo de branquelo, seria muito mais estranho. Mas logicamente, depende do tom dado! Nós homens, muitas vezes, nos chamamos de “filho de puta”, querendo dizer, “meu, te amo!” e não achamos nada ofensivo. Mas chamar preto de preto, dá até cadeia.
Mas meu ponto aqui não é só falar dos negros, pretos, sei lá como classificar, mas é das cotas do vestibular!
Na matéria que li, no jornal da cidade, a tal universidade premiava o preto com 40 pontos, se fosse de escola pública, mais 10, para as duas, somava-se 50. É uma grande vantagem nessa briga, parecida com os 100 metros rasos, onde 1 milésimo pode valer o ouro.
No outro jornal, destacava que algumas universidades estavam trocando, como já falei, vagas para os alunos “de cor”, e tirando os que “não tem cor”, para cumprir a lei de cotas. Surgiu então o problema que muitos haviam se inscrito como “negros”, mas na hora do “cara a cara”, tava lá um branquelo! Começou-se a se questionar como definir o que seria preto ou não. Aqui não se encaixa mais a famosa expressão “tudo no preto e no branco”, já que ninguém mais sabe o que é preto.
Mas não só isso, começaram a ter acusações de falsidade ideológica, que lógico, você não pode ser o que não é. Mas me parece que todo preto quer ser branco e todo branco quer ser preto. Umas até pediam fotografias, para não deixar dúvidas! Um ato que no mínimo, é grosseiro, além de ser separatista. Ah! Eles se esqueceram das mágicas gráficas, onde qualquer um pode fazer uma foto branca ficar preta!
Já que estaremos lá, nos Estados Unidos, beirando as décadas de 50 e 60, onde preto tinha banheiro próprio.
Mas sabem, fiquei indignado com isso. Se para entrar na universidade eu tenho que ter tido um bom estudo desde pequeno, ter tido não só informação, mas formação também, que raios de diferença faz a raça ou a escola que estudei?
Nenhuma. Lembra do começo do texto, quando nasciam os bebês, e todos nus, todos lindos? Todos lindos e iguais, por mais feios que eram.
Imaginem só, se fosse assim: pretos ou pardos, 40 pontos a mais; índios, mais 50, afinal tem pouco índio mesmo; japoneses ou descendentes, já que são muito inteligentes, tem 50 pontos a menos (ou então matem todos na entrada); judeus, que são ricos, pagam 4 vezes mais na inscrição e no caso de universidades particulares, a mensalidade é o dobro; norte-americano ou descendente não entra, afinal somos todos, inclusive estes, anti-Bush; se estudou em escola pública ganha 10, mas se veio de escola particular, perde 30; e assim vai...
Pura hipocrisia e demagogia. As diferenças sociais e culturais aqui é que são gritantes e preconceituosas, independentemente da raça. Eu para ter a educação que tive, devo isso ao esforço de meu pai e minha mãe, que fizeram tudo possível para me dar a melhor. Vejo os filhos de minha assistente pessoal doméstica, não gostos de chamar de empregada, ela também se esforça para que os filhos dela tenham a melhor educação.
Sim, também acho injusto, mas não é possível aceitar fazer a diferenciação no final a cadeia escolar, ainda mais por raça ou tipo de escola.
O problema é que os demagogos não querem ver, ou se vêem, se fazem de cegos, que é preciso ter base. Escola de base. Educar o povo todo. E ai sim, todos teriam as mesmas condições. Mas hoje, dificilmente terá um bom estudo quem não pode pagar. Assim como eu, uns outros tantos de milhares pagaram a vida toda para estudar. Enquanto pagamos impostos e mais impostos que deveriam ser revertidos à nos mesmos e não são.
Quem que nunca ouvi o pai, ou alguém mais velho dizer, que o “colégio do estado é que era bom, os particulares, só para filhinho de papai, que não queria estudar”.
Nosso governo esta omisso nisso. Quer encher os próprios bolsos e o povo que fique com a sobra. Se sobrar.
É as cotas já estão divididas: pretos, vermelhos, amarelos ja tem suas porções definidas. E nós sabemos também que alguns filhos, e não precisam chamar Jr., podem ser Luis Inácios, Severinos, Fernandos, Josés, Antonios, Getulios..., tem suas cotas definidas, 100% de aprovação, seja na Camara, no Senado ou até mesmo na Presidência, afinal são todos eles Filhos da Puta.
Por Fernando Katayama, em um dia deses. 2005