Lá vem vindo. Roupas vermelhas. Cintas pretas. Botas pretas. Gorros. Alguns adereços brancos. Invariavelmente a barba, mesmo que postiça. É um exército vermelho visto de longe. Uma legião vermelha. Vem em fúria e o barulho é ensurdecedor. Chega a dar medo. Marchando vão dominando a cidade e impondo a vida.
Não querem saber. Será assim e pronto. Impositivo. Verdadeira tirania. Invadem todos os cantos da cidade, até os mais sombrios. Entram nas nossas casas sem permissão. Fazem o que querem. Dizem que é para o bem, e praticam então, a lobotomia. Pratica muito usual nesse tipo de sistema.
Não pensem vocês que eu estou falando de um exército vermelho comunista ou algum tipo de guerrilha separatista. Não! De modo algum.
To falando mesmo do exército de papais Noel que invadem a nossa vida todo maldito ano. Na rua, no out-door, no rádio, na Tv, porra... Em todo lugar! Todos vestindo a mais chula das roupinhas de papai Noel, escorrendo suor da cabeça, com aquele gorrinho. Nada mais oportuno do que ficar de gorro no verão!
Somos bombardeados pela indústria do consumo. Celulares e eletrônicos estão no topo da lista de desejos. Todo mundo quer comprar, comprar e comprar. Querem mais ainda, ganhar, ganhar e ganhar.
Todos têm a obrigação e, até em alguns casos, tem que dar o tal presentinho de Natal, para não ser mal educado. Uma verdadeira Ditadura. Quem não ganha se sente desprezado, desamado, desvalorizado. Quem não dá se sente culpado, sem amor, egoísta. Não tem jeito. Compre uma qualquer coisa e pronto, ta resolvido.
Bom mesmo é o comercial da Vivo, que escracha: “Ganhou um peso de papel...” e se fudeu mesmo! Vai lá na “oportunidade única do ano” de reunir a família, e ganha uma meia! Puta cara de bunda!
Tudo besteira. Todo resultado da indústria. Todo mundo diz isso, não é novidade. Todo mundo fala: “ah... não tem mais sentido o Natal... tudo coisa da indústria...”, mas esse ai, já comprou a lembrancinha. “Fica chato não dar nada, né?!”... e por ai vai. Podem até pensar que eu quero presentes, que sou um revoltado com o mundo, que sou ateu, que mesmo com o meu discurso, eu ganho meus presentes e dou, podem pensar o caralho à quatro.
Pois, enganam-se. Não ganho e não dou. Aos 10 anos, disse ao meu pai que não queria nada no tal Natal e não me venha com Ovos de Páscoa. Desde então não ganho mais nada no Natal ou chocolate na Páscoa.
Disse isso ao meu pai, porque nunca me fez sentido isso ai. Acho totalmente sem graça e sem propósito.
Hoje, para piorar, somos abordados a toda hora pela “exploração da miséria Natalina”. Todo mundo quer fazer caridade. Nossa... Tudo bonzinho no mundo. Deve ser pela extrema unção. Assim, todo mundo se sente menos pesado pela sua dor do mundo, se perdoa e pronto, só tem que esperar mais um ano.
Reportagem na Tv, mostrou os “sem nada”, ficarem 5 horas em pé, com o sol a pino, para ganhar sua boneca de plástico - “ah, mas pelo menos, em um dia do ano, ele fica feliz!”. Os outros 364 passa fome, falta de amor, e fica cheio de vontade de ter. Vive no eterno vazio e cheio de desejos.
Dizer que isso é para a felicidade do outro é pura hipocrisia. Fazem essa “caridade” para aliviar a própria alma da culpa, e só. Porque se quisessem mesmo melhorar o outro, começariam olhando para si próprio, depois para a sua família, depois para as pessoas ao seu redor, depois para os colegas de trabalho e assim vai. Fariam todos os dias, a caridade, e vejam, caridade não é ficar levando brinquedo e saco de feijão, é muito mais que isso. Seriam educados. Tratariam todos com a mesma igualdade. O ano todo.
Ser bonzinho uma vez só no ano, me habilita de não fazer mais nada e continuar sendo bonzinho. Balela.
A Globo com aquela musiqueta de final de ano... Glória Maria, a preta que nunca envelhece, entra no Fantástico - O show a vida- mas só passa tragédia, diz “e o espírito natalino toma conta de tudo...”. E aparece um caminhão lotado de tralhas, e um monte de gente no desespero de pegar qualquer coisa, mesmo sem saber o que é, tanta a necessidade de afeto. Ou então mostra aquela reportagem da empregada que não tem muito que comer, mora em um barraco, tem doze filhos, dos quais um é bebe de colo, e o mais velho morreu assassinado em briga do tráfico, marido desempregado e alcoólatra, e mas sai por ai, dando presentes a desconhecidos. Oh, bacana!
O sentido do Natal é outro, mas esse se foi com o tempo. Fico pensando aqui como os não-católicos-cristão, ficam se sentindo. São obrigados a aceitar de cabeça baixa, afinal não tem muito que fazer. Seria quase uma heresia fazer alguma coisa diferente.
Natal representa, para o mundo cristão, o nascimento de Cristo. Nascimento, bom frisar. Deveria ser para coisas novas. Para nascer coisas novas. Assim como o Ano Novo. Ano Novo e Natal deveriam ser comemorados no mesmo dia. Além de um feriado a menos, teria mais sentido.
E entra ano, sai ano, sempre a mesma coisa...
Talvez por isso a choradeira no Natal, pela culpa. E no Ano Novo, todo mundo se veste de branco, para entrar limpo, como se preto fosse sujo. Calcinha de cor fúsia, para trazer sei lá o que; Cidra Cereser, afinal tem que ter “champange”; uns pulam ondinhas, outros sei lá o que; todos se abraçam e gritam “bom ano novo”... E ai choram na esperança de que o ano novo seja realmente novo .
Mas sabem que nada vai mudar.
... Porque não querem.
[tô de saco cheio, mas não sou papai Noel. Quer começar a mudar. Comece a fazer coisas diferentes, pensar diferente, agir diferente.
“se nada mudar em 10 anos, alguma coisa ta errada” - Dalai Lama”]
Por Fernando Katayama 20 dec. 05