Hoje para variar, fui tomar um café. Era final de tarde e fui a uma padaria dessas que tem aqui na minha cidade. Aqui tem uma padaria em cada esquina. Fui em uma delas. Famosa, bem freqüentada, fica bem em frente à Igreja do Bairro. Nem é meu bairro, passava por lá, mas enfim...
Chegando lá, mal tinha acabado de estacionar meu veículo locomotor de 4 rodas, um pouco antes de adentrar ao estabelecimento do português, me deparei, nada mais nada menos, com Jesus. É inacreditável, não é?
Jesus, ele com seu jeito característico. Sua barba. Sua roupa. Seu jeito de andar. De mexer os braços. De levar a mão, ao centro dos olhos, ali, pouco acima do nariz, bem no final das sobrancelhas. Pois é, Jesus. Ô cara.
Conheço-o há anos. Nossa... Faz tempo. Desde minha juventude. Do tempo das paixões ingênuas e avassaladoras. Das ansiedades. Da carta de motorista. Vivia, a incerteza certa, do tempo do vestibular. Grandes preocupações de um momento decisivo. E foi nessa época que conheci Jesus.
Não pensem vocês que foi na Igreja. Não foi, já que nunca fui à Igreja. Conheci Jesus no cursinho. Jesus dava aulas lá. Era meu professor. Época boa do cursinho. Apesar de levar à sério a escola e o cursinho, logicamente não deixava de curtir a vida. Juventude irresponsavelmente sadia. E Jesus fez parte dela. Acreditem vocês, que fui expulso do prédio onde era o cursinho, junto com Jesus, já que estávamos fazendo a maior zorra, encima de uma mesa.
Mas dessa vez, os anos passaram. Já não vivo mais a dura crueldade da decisão de ser ou não ser. Jesus já não é mais meu professor, e logicamente, nunca mais subimos em nenhuma mesa.
Em nosso encontro de hoje, foi bem diferente dos tempos do cursinho. Conversávamos sobre as coisas da política nacional, das discussões que temos e não temos aqui não país. De como está a juventude...
Nossas feições foram sempre de espanto, medo, incerteza, dúvida e pavor.
Falávamos da crise política que estamos passando. Sem palavras para descrever tanta roubalheira, dos caras-de-pau que são apresentados à nós. A corrupção que corre solta, louca e desvairada, como aqueles torcedores que invadem os campos de futebol pelados. Todo mundo vê, ninguém sabe muito bem o que fazer, damos risadas constrangidas, ninguém sabe quem é, mas todo mundo sabe que o cara ta pelado e correndo com o pintão balançando em rede nacional. Choca naquele momento. O juiz pára o jogo, catam o cara e tudo volta à normalidade.
Conversávamos também, da incerteza que será o ano que vem, que é de eleição. Ninguém sabe para onde é que vamos. Você sabe?
Caixa Dois também foi um dos nossos tópicos. Quem faz, corre o risco de ter que subornar o fiscal, ou então, de pagar a pesada multa. Quem não faz, corre o risco de fechar. Nosso Presidente afirmou que o caixa dois é usual, normal, corriqueiro, prática. Com o perdão da palavra, mas puta merda, o Presidente da Nação assumir um ato desses. Virou casa da Mãe Joana. Abordamos também a dificuldade de se fazer e manter um negócio no Brasil, com ou sem caixa dois. Hoje, com juros, aonde só ônibus espacial vai, torna muito mais atraente colocar o dinheiro no banco do que fazer ele ir ao mercado e circular.
Falando de políticas econômicas e finanças, não comentei com ele da nossa balança comercial. Me esqueci! Vocês podem dizer que ela, hoje esta com superávit. Mas minha gente... O que exportamos são commodities, não produtos da indústria. E só estamos com esse superávit porque estamos colhendo os acordos feitos com o dólar lá na casa dos 4! Quero ver o que vai acontecer quando sentirmos a baixa que o dólar esta sofrendo nesses dias de CPMI e corrupção desvairada.
Voltando a minha conversa com Jesus, perguntei sobre o Referendo ao Desarmamento. Disse que sentia a falta de debate. Nós vamos ser obrigados a votar, sim ou não, e como em todo processo democrático, é preciso debate. Mas não há. Para mim, é essencial o debate de um assunto tão delicado que merece até Referendo. Não é preciso que já se saiba, se sim ou se não, mas é preciso que se esclareça, os prós e contras. Se já leram meus textos, sabem que sou contra a proibição. Posso justificar de muitas maneiras, mas não o farei aqui.
Mas sinto falta do debate. Lembrei aqui de um filme clássico: “Doze homens e uma sentença”. Existe um remake novo, mas o original é com Peter Fonda e Jack Lennon, e vale a pena ver. Um resumo: um homem, negro, da periferia, esta sendo julgado por homicídio. Cabe ao júri dar a sentença. Pré-julgado, ele já está condenado à morte. Mas um jurado, não se contenta em condená-lo, ao menos, sem debater.
Nessa linha de conversa meu papo com Jesus, foi em direção a atual juventude, essa que hoje, esta na dúvida do que fazer. Jesus, que ainda vive a vida do cursinho, afinal vive em um, me disse que a molecada não quer saber de conversar nada, de ler, de saber da órbita que esta. Estão totalmente alienados. Me deu medo. Mas não os culpo. Alguns dos meus contemporâneos são exatamente iguais aos moleques de hoje. Também não sabem de nada e não querem nem saber. Debater então, faltam-lhes palavras, só ficam no “pá-daqui, pá-dali” ou então, pior, ficam só no “tipo assim...”. Não entendem nada de economia, política ou globalização. Vestem a camiseta estampada do Che, mas não sabem quem Che foi. Dizem, como nosso Presidente, “é culpa da elite burguesa”, mas não se lembram que fazem parte dela.
Como Jesus é do Cursinho, falei para ele que tive uma troca de e-mails com um colunista de um jornal, sobre a escola que se diz boa, porque prepara o fulano para a prova do vestibular, mas se esquece, que isso não o prepara para a vida. Tristeza no ar.
Disse ao meu amigo, que se ele quiser ficar milionário, que começasse a fazer aulas preparatórias para os concursos públicos. O novo filão, afinal, manar nas tetas do governo todo mundo quer, inclusive os caras que se vestem de Che. Com a falta de oportunidades no Brasil, conseguir a vaguinha no estacionamento da nação, é uma boa. Não é a toa que a cidade vizinha a minha, arrecadou no seu último concurso, por volta de 2 milhões de reais. 70 mil candidatos para 800 vagas. O dinheiro não dá para saber para onde vai. Para os 70 mil candidatos, não dá para ter certeza que vão ser efetivados. Mas dá pra ter certeza que esse é o tipo de coisa, acaba com o país. Prova que concurso público não serve mais para empregar. Prova que é preciso mudar.
Conversamos de outras coisas, mas não me lembro agora. Não se iludam pensando que isso foi um papo de horas, de uma tarde, de coisa de filosofias vãs. Não. Foi entre eu tomar meu cafezinho e Jesus comprar o pão. Tudo, no caixa dois.
[Como houveram inúmeros desentendimentos, Jesus, foi realmente meu professor no Cursinho. Esse é o nome dele, fazer o que!? E eu realmente me encontrei e tivemos o papo na padaria e fomos expulsos mesmo, pela zorra que estávamos fazendo]
Por Fernando Katayama, 10 Agosto 2005
1 comment:
Quem diria??? Fernando levando um papo com Jesus e falando até de desarmamento? Vou lembrar outro clássico do cinema: Os brutos também choram (rs)! Aí Fernando, ficou legal! Bem melhor do que eu falando dele na TV. Parabéns!
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