Wednesday, March 22, 2006

Esse Falcão para mim é Pardal

Assisti o documentário do Falcão. Foi meio sem querer. Madrugada, zapeando a TV e acabei vendo. Nem sabia do que se tratava no começo. Resolvi esperar para ver.

E no final, é muito bom o documentário do rapper MV Bill e do produtor de hip-hop Celso Athayde. Até então, na minha mais pura ignorância, jamais tinha ouvido falar dos tais aí. Eles fizeram o tal documentário. É bom. Mostra para quem não sabe, a dureza que é a vida da favela do tráfico, da vida miserável do morro, da morte antecipada na juventude marginal e por aí vai. Pena que TV não tem cheiro, porque isso tudo aí fede, e ia ter gente saído da frente da TV para vomitar. É, dá nojo. Mas assim é a vida na favela.

O impacto desse documentário foi alto. Produzido pela Rede Globo, foi ao ar em horário nobre. Pegou a classe média de baciada. Não era por menos. Fantástico, domingo à noite, dia de pizza com a família e umas cenas violentas na TV, mostrando o nosso vizinho.

Mas o documentário não mostrou nada de novo. Violência. Guerra de traficante. Vida miserável. Falta de oportunidade e a oportunidade no crime. Menor abandonado. O desleixo da sociedade. O que mais? Tudo que você já está cansado de ver e ouvir. Não trouxe nada de novo. Isso nós já tínhamos visto no excelente documentário “Ônibus 174”, de José Padilha, 2002. Mesmo assim, o “Falcão” é um bom documentário.

A repercussão de alguns “experts” no assunto são as mais óbvias do mundo: falta de uma família estruturada. Falta de programas para diminuir o tráfico. E assim vai.

Mostra que estamos fazendo a pergunta errada. Ou não estamos fazendo a pergunta certa. Podemos produzir milhões de horas sobre a miséria do nosso país. Podemos falar da prostituição infantil no Recife. No tráfico de crianças em Fortaleza. Da violência urbana de São Paulo. E sempre estaremos fazendo a mesma coisa: mostrando o que já sabemos. Estaremos nos perguntando a mesma coisa em todos os temas. É o samba de uma nota só. É preciso modificar a pergunta, para encontrar, talvez, as muitas respostas.

Não vou entrar no tópico da corrupção do governo, das forças policiais, do Judiciário, se não, não tem fim. Farei só 3 perguntas para os temas do documentário “Falcão”, se não fico louco.

Tráfico: O que tem de comum entre as máquinas de escrever Olivetti e o trafico de drogas?

A Máquinas Olivetti chegou a ter 90% do mercado das máquinas de escrever, até meados dos anos 80, quando surgiu então, o PC. Acabou a demanda por máquinas de escrever. A Olivetti quase acabou, e hoje, tenta se refazer. Com o fim das máquinas de escrever acabaram também o datilógrafo e os cursos de datilografia. Mas espera um pouco, o que tem isso com o tráfico de drogas?

Simples. É um exemplo de demanda. Não tem demanda, não tem mercado. Em vez de ficar tentando acabar com o traficante, que é como tiririca de jardim, arranca um vem dois (morre um traficante, surge dois querendo tomar o lugar dele), colocando polícia e até ultimamente o Exército, o negócio é trabalhar a demanda. Deixa o traficante lá, acaba com o comprador, o traficante vai ficar com o estoque alto, o preço aí, para de ser lucrativo e diminui o tráfico. Não adianta artista fazendo propaganda na TV contra o uso da droga, se como diz a música: “vem malandro, vem plaboy, vem atriz para comprar comigo”.

Porque é que existem tantas famílias desestruturadas? De onde vem tantas crianças para trabalhar no crime e porque?

O Brasil é um poço da falta de oportunidade. Um gigante mergulhado na ignorância e na falta de educação. Combustíveis para a sociedade desestruturadas. É uma questão econômica. É preciso reduzir o número de famílias assim. Só tem um jeito, não deixar que se formem.

Como os entendidos do assunto dizem, a grande causa é a família desestruturada. Dela o ciclo é vicioso e para trás. Nasce na família sem estrutura familiar, sem pai, sem mãe, sem condição, sem escola, sem oportunidade. Vira bandido e tem filhos. O pai morre, a mãe some, o filho fica sem educação, sem oportunidade, sem casa. Esse moleque aos 15 tem um filho com a filha da vizinha, 15 anos também. Mas aos 17 ele morre na boca em que vendia coca, a mãe, de 17, não trabalha. O filho cresce e aos 8 está no crime, a realidade que ele conhece. Aos 15 tem um filho, e por aí vai.

É preciso acabar com essa estrutura familiar, não deixando que ela aconteça.

Já da para entender de onde vem à garotada do crime. É o único meio que eles conhecem. Dá dinheiro e poder, apesar de ser uma carreira curta. Mas com sorte, o plano de carreira do tráfico, você pode até a chegar à chefia uma boca. Os caras são muito bem estruturados e a hierarquia produz um plano de carreira tentador. Os traficantes também usam da lei para recrutar crianças. Sabem que não da nada, porque a legislação alivia. Criança não é tratada como criminoso mesmo que o crime seja hediondo.

Fico pensando aqui, se ao invés de investir 5 bilhões de reais no bolsa-família, não seria melhor investir 5 bilhões em bolsa-laqueadura. Inverter o incentivo, ao invés de dar dinheiro pelo número de filho, dar dinheiro para o menor número de filho. Fazer um plano de incentivo de acordo com a renda familiar e incentivar a fazer a laqueadura e a esterilização e legalizar o aborto.

Fazer filho é fácil, difícil é educar, manter e criar.

É hora de mudarmos as perguntas.

[música do texto: Cocaine Dreams – 50 Cent]

Por Fernando Katayama 22 mar. 06

Thursday, March 16, 2006

Homens-folha

Homenzinhos vestidos de folhas. Enfileirados como formiguinhas. Fila indiana. Vão eles andando com cara de espanto, sem saber muito bem o quê fazer. Vão subindo. Mandaram fazer, estão fazendo. Uns apontam para um lado, outros para o outro lado e alguns nem sabem onde estão. Passeiam por dentro da Mata Atlântica. Vão subindo os homenzinhos vestidos de folhas.

De um lado os Sujos, de outro, os Homens-folhas. Trocam farpas. Um tem a cara do outro. São todos meio-irmãos. Confundem-se pela semelhança física, pelo corpo franzino, diferenciam-se só pelo uniforme. Um de Homem-folha outro de Nego-favela.

E assim foi a tomada do Exército Nacional nos morros do Rio de Janeiro. Coisa patética. A revista Veja, encontrou justificativas na lei para a ida dos milicos ao morro. Fizeram de ordem legal, não nego, mas talvez imoral. Ao meu ver, parece o primo pobre do Bush: usou uma desculpa esfarrapada para tomar uma ação militar. Dizer que foram atrás de 11 fuzis e 1 pistola tenha dó, já foi roubado do exército de revolvinho até lança-granadas, e nenhuma atitude como essa foi tomada. Chamaram um contingente de guerra. Mais soldadinhos que no Haiti. Táticas e estratégias pífias. Tem coisa ai. Esse é o nosso Exercitozinho.

Cercou-se de mandados judiciais para que a ação não tome corpo inconstitucional. Mas não justifica, porque o Exército Brasileiro tem a missão única e exclusiva de defender o país e suas fronteiras. Roubo quem cuida é a policia.

Mas entendo assim:

· O que é meu ninguém tira. Vou lá buscar a qualquer custo.

Instaura-se a lei do bang-bang. Vira a terra sem lei. Tudo posso. Se tiram-me o que é meu, busco a todo preço. Vale para o Exército, vale pra mim.

· Pode ser uma jogada política para mostrar a ONU, que temos homens-folhas e sabemos o que fazer com eles, já que o Brasil quer uma cadeira no Conselho de Segurança.

Desse jeito vai ficar mesmo é só com o banquinho.

· Ou o Exército mandou o recado: se o governo e a sociedade civil não faz, nos fazemos: Foram lá e os crimes caíram em média 70%. Nos somos a solução.

País onde a baderna é total, a corrupção assola desvairada, falta de credibilidade nos Poderes, especialmente no Poder Judiciário, e as polícias coitadas, são um misere total, dá um prato cheio para uma ditadura armada.

A ida dos milicos ao morro mostra o total despreparo do governo para assuntos de segurança nacional. É a baderna institucionalizada.

Os Garotinhos parecem ficar brincando de trocar figurinhas.

Enquanto isso, o MST, que passou de movimento popular legítimo para movimento terrorista sem pé nem cabeça, toma o estado de Pernambuco.

No congresso, o professor Luizinho nos ensina a como roubar. Não há um só homem-folha, de fuzil na mão, para ir buscar o que é nosso por direito. Caixa dois não é mais crime.

Agora que os malacos do morro devolveram as armas, o Exército deve sair. O recado dos traficantes foi: “saiam do morro, tá atrapalhando as vendas, em troca, não assaltamos mais o Batalhão”.

Só posso concluir que estamos sendo governados por bandidos. Estejam eles nos morros ou no Congresso. E particularmente eu prefiro os do morro. Pelo menos, é evidente quem são os bandidos.

Por Fernando Katayama 16 mar. 06

Wednesday, March 08, 2006

Crash

Foi uma surpresa ou nem tanto. Todos esperavam que o filme tailandês de cowboy gay ganhasse mais estatuetinhas. Não foi bem isso que ocorreu. Hollywood esse ano, dizem os críticos, foi mais humano. Abordou temas voltados às necessidades humanas, as carências, aos temas da sociedade contemporânea, aos medos. Eu não sei dizer, não vi todos. Pouco importa também. Nem vi o porre da tal cerimônia.

Dessa vez, não teve mega-blockbuster. Spielberg, mais uma vez gastou o tempo falando de judeus. Acho que deveria voltar a falar de E.T. King Kong, o macacão milionário, e deixe claro, sem racismo*1, estou falando do gorila, não arrebatou muito. Foi “Crash – No limite”, de Paul Haggis, levou o título de melhor filme.

É um filme no mínimo incômodo. Edição e trilha sonora boa. Personagens fortes, mas o que é o melhor é o argumento.

Ao falar das mazelas da sociedade, seja ela em L.A. ou em S.P., é preciso ter um argumento no mínimo bom. Atacar o cotidiano não é das coisas mais simples.

Como mostrar para a sociedade a sua própria frieza? A indiferença entre morte e vida?

Negros, chineses, nativos, cada um por si. Violência dominante. Dinheiro e sensação de superioridade até que a arma mostra a fragilidade da grana. A raiva por raiva. Sonho por sonho. E maioria excluída.

Talvez por isso o titulo do filme – Crash. Não mostra segredos. Não faz suspense. É duro e transparente. Deixa os acidentes da vida entrelaçar as coincidências vitais.

Como romper isso tudo? A reconstrução através da total destruição? A ruptura com os padrões estabelecidos?

Até quando?

Crash: To break violently or noisily; smash.

[*1 Nessa semana um jogador de futebol, aqui no Brasil, foi acusado de racismo por xingar de “macaco” um colega de profissão]


Por Fernando Katayama 08 mar. 06

Wednesday, March 01, 2006

Verdade, mentira e morte

É acabou o carnaval. Mais um ano se passou, de batuques, peito e bundas de fora, gostosas e as nem tão gostosas assim. Camarote dos famosos e tudo mais. Filas nas estradas, sujeiras nas praias e multidão que volta para o cotidiano monótono.

Nesse carnaval eu não fiz nada. Nunca faço nada diferente do que sempre faço. Acho o carnaval chato. Resolvi então gastar um tempo com um dos meus passa tempo prediletos. Fui ao cinema.

Fui ver o último do Woody Allen, “Macth Point”. Entrei na sala escura achando que era uma comédia romântica, recheada de ironias e humor sutil, afinal é um filme de Woody Allen. Sentei na poltrona com o saco de pipoca e rodava o filme. Gostei muito desse filme ai.

Vi também o filme dos cowboys gays, de Ang Lee, “Brokback Montain”. E esse filme que esta dando o que falar, afinal ver um homem comendo outro, só em filme pornô de veado, no circuito, nunca. O filme é bom, gostei também.

O que será que tem em comum entre um filme e outro?

Um se passa no pasto, meio do mato, interior americano, anos 70, dois homens. Outro centro urbano, Londres, aristocracia britânica, inicio século 21, um homem, duas mulheres, uma delas gostosa. Há princípio nada.

Mas vejamos assim.

O filme de Ang Lee mostra o relacionamento amoroso reprimido de dois homens. Quebra o arquétipo Jungiano do Herói que estamos acostumados a ver, como em “terra de Malboro”, até com assobiuzinho, terra de homens fortes e cavalo e só. Nesse caso, ovelhas.

Como imaginar o herói dando o rabo? A sociedade conservadora choca-se ao ver. A sociedade ultra-liberal choca em ver-se por lá. A vida: dois homens reprimem-se e vivem a vida infelizes até morrer, todo herói morre.

Woody Allen aborda de uma outra maneira a repressão aos sentimentos e a verdade. Inverte o papel da mulher, na sociedade ocidental, onde o homem passa a viver as custas dos benefícios financeiros da mulher. Covarde, como quase todos os homens, vive a infelicidade com medo da verdade. Perde-se nas curvas da Scarllet Johansson, a paixão castrada. Ele não gosta do que faz, não gosta da mulher e aceita a vida e os benefícios que a posição trás. É infeliz. A mulher cornuda, finge não saber, mas para sustentar o sonho, manter a imagem, finge felicidade. A amante, podre, sem muita chance, vive a vida apaixonada, renegando a origem, imaginando sempre conseguir o homem de fato, engana-se sempre. Vivem na repressão aos sentimentos, vivem nas mentiras da vida.

O que há de comum então entre eles?

Entre a verdade e a mentira a melhor solução é a morte.

Mas será?

Por Fernando Katayama 1 mar. 06