Assisti o documentário do Falcão. Foi meio sem querer. Madrugada, zapeando a TV e acabei vendo. Nem sabia do que se tratava no começo. Resolvi esperar para ver.
E no final, é muito bom o documentário do rapper MV Bill e do produtor de hip-hop Celso Athayde. Até então, na minha mais pura ignorância, jamais tinha ouvido falar dos tais aí. Eles fizeram o tal documentário. É bom. Mostra para quem não sabe, a dureza que é a vida da favela do tráfico, da vida miserável do morro, da morte antecipada na juventude marginal e por aí vai. Pena que TV não tem cheiro, porque isso tudo aí fede, e ia ter gente saído da frente da TV para vomitar. É, dá nojo. Mas assim é a vida na favela.
O impacto desse documentário foi alto. Produzido pela Rede Globo, foi ao ar em horário nobre. Pegou a classe média de baciada. Não era por menos. Fantástico, domingo à noite, dia de pizza com a família e umas cenas violentas na TV, mostrando o nosso vizinho.
Mas o documentário não mostrou nada de novo. Violência. Guerra de traficante. Vida miserável. Falta de oportunidade e a oportunidade no crime. Menor abandonado. O desleixo da sociedade. O que mais? Tudo que você já está cansado de ver e ouvir. Não trouxe nada de novo. Isso nós já tínhamos visto no excelente documentário “Ônibus 174”, de José Padilha, 2002. Mesmo assim, o “Falcão” é um bom documentário.
A repercussão de alguns “experts” no assunto são as mais óbvias do mundo: falta de uma família estruturada. Falta de programas para diminuir o tráfico. E assim vai.
Mostra que estamos fazendo a pergunta errada. Ou não estamos fazendo a pergunta certa. Podemos produzir milhões de horas sobre a miséria do nosso país. Podemos falar da prostituição infantil no Recife. No tráfico de crianças em Fortaleza. Da violência urbana de São Paulo. E sempre estaremos fazendo a mesma coisa: mostrando o que já sabemos. Estaremos nos perguntando a mesma coisa em todos os temas. É o samba de uma nota só. É preciso modificar a pergunta, para encontrar, talvez, as muitas respostas.
Não vou entrar no tópico da corrupção do governo, das forças policiais, do Judiciário, se não, não tem fim. Farei só 3 perguntas para os temas do documentário “Falcão”, se não fico louco.
Tráfico: O que tem de comum entre as máquinas de escrever Olivetti e o trafico de drogas?
A Máquinas Olivetti chegou a ter 90% do mercado das máquinas de escrever, até meados dos anos 80, quando surgiu então, o PC. Acabou a demanda por máquinas de escrever. A Olivetti quase acabou, e hoje, tenta se refazer. Com o fim das máquinas de escrever acabaram também o datilógrafo e os cursos de datilografia. Mas espera um pouco, o que tem isso com o tráfico de drogas?
Simples. É um exemplo de demanda. Não tem demanda, não tem mercado. Em vez de ficar tentando acabar com o traficante, que é como tiririca de jardim, arranca um vem dois (morre um traficante, surge dois querendo tomar o lugar dele), colocando polícia e até ultimamente o Exército, o negócio é trabalhar a demanda. Deixa o traficante lá, acaba com o comprador, o traficante vai ficar com o estoque alto, o preço aí, para de ser lucrativo e diminui o tráfico. Não adianta artista fazendo propaganda na TV contra o uso da droga, se como diz a música: “vem malandro, vem plaboy, vem atriz para comprar comigo”.
Porque é que existem tantas famílias desestruturadas? De onde vem tantas crianças para trabalhar no crime e porque?
O Brasil é um poço da falta de oportunidade. Um gigante mergulhado na ignorância e na falta de educação. Combustíveis para a sociedade desestruturadas. É uma questão econômica. É preciso reduzir o número de famílias assim. Só tem um jeito, não deixar que se formem.
Como os entendidos do assunto dizem, a grande causa é a família desestruturada. Dela o ciclo é vicioso e para trás. Nasce na família sem estrutura familiar, sem pai, sem mãe, sem condição, sem escola, sem oportunidade. Vira bandido e tem filhos. O pai morre, a mãe some, o filho fica sem educação, sem oportunidade, sem casa. Esse moleque aos 15 tem um filho com a filha da vizinha, 15 anos também. Mas aos 17 ele morre na boca em que vendia coca, a mãe, de 17, não trabalha. O filho cresce e aos 8 está no crime, a realidade que ele conhece. Aos 15 tem um filho, e por aí vai.
É preciso acabar com essa estrutura familiar, não deixando que ela aconteça.
Já da para entender de onde vem à garotada do crime. É o único meio que eles conhecem. Dá dinheiro e poder, apesar de ser uma carreira curta. Mas com sorte, o plano de carreira do tráfico, você pode até a chegar à chefia uma boca. Os caras são muito bem estruturados e a hierarquia produz um plano de carreira tentador. Os traficantes também usam da lei para recrutar crianças. Sabem que não da nada, porque a legislação alivia. Criança não é tratada como criminoso mesmo que o crime seja hediondo.
Fico pensando aqui, se ao invés de investir 5 bilhões de reais no bolsa-família, não seria melhor investir 5 bilhões em bolsa-laqueadura. Inverter o incentivo, ao invés de dar dinheiro pelo número de filho, dar dinheiro para o menor número de filho. Fazer um plano de incentivo de acordo com a renda familiar e incentivar a fazer a laqueadura e a esterilização e legalizar o aborto.
Fazer filho é fácil, difícil é educar, manter e criar.
É hora de mudarmos as perguntas.
[música do texto: Cocaine Dreams – 50 Cent]
Por Fernando Katayama 22 mar. 06